quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Poesia Brasileira Noventista

Olá, meninos e meninas das internets! Bem-vindos mais uma vez ao Inominativo! O blogue mais bacana que eu já produzi! :D
Hoje começa o mês de Novembro, o mês mais legal dentre todos os meses do ano. Então feliz mês de Novembro para vocês, muitos dinheiros e farras e festas. E feriados, também - tem tantos feriados que fica até difícil marcar compromisso com amigos. Todo mundo viaja, uma alegria. :D

Falar em burgueses modernos, o meu post de hoje fala um pouco (bastante) sobre um tema super popular. Você já parou pra pensar em como temos grandes poetas vivos hoje em dia, no Brasil? Em como a nossa produção literária é riquíssima, organizada e prolífera? Não? Então você precisa expandir seus horizontes. Tentem ler esse (longo) texto até o fim, e acompanhem meu raciocínio.

POESIA BRASILEIRA NOVENTISTA

Você, caro leitor desse blogue decrépito, deve se lembrar provavelmente de um bocado das suas aulas de Literatura, em seu Ensino Fundamental e Médio - ou, se você for suficientemente antiquado, de seu Ginásio e Segundo Grau. Sua professora de Literatura, tadinha, tentava enfiar um pouco de erudição na sua cabeça oca, falando pra você sobre como é linda a herança cultural da Língua Portuguesa! E ela contava sobre os poemas trovadorescos, de uma época tão antiga que o Português daquela época era inelegível para nós hoje em dia! Oh, aqueles trovadores dos séculos 12 e 13 que inventaram o nosso dileto Idioma, propagaram-no pelos quatro cantos do próspero Reino Português e, graças ao bacalhau, ensinaram o mundo inteiro a falar nossa pitoresca língua... Oras, tendo nascido como um dialeto inculto e vulgar do glorioso Latim, ser um dos idiomas mais falados durante o século 16 é uma tremenda conquista! Viva o Idioma Português! A última flor do Lácio, inculta e bela!
Enfim - sua professora de Literatura deve ter se demorado bastante tempo para explicar detalhes dos grandes movimentos da prosa e da poesia lusófona. A Renascença em Portugal, graças a Luís de Camões. O Romantismo do Brasil recém-independente, com aqueles livros longuíssimos e chatos. Aqueles poemas realistas, naturalistas, parnasianistas, simbolistas. Ou ainda a época da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em que tudo virou baderna e qualquer loucura valia, desde que fosse bacana. Sua professora queria evocar em você, nobre leitor, um pouco de raciocínio crítico. Um pouco de capacidade de ler através das mensagens deixadas por séculos de autores e poesias. Que você entendesse a beleza de um texto machadiano, a graça de uma obra alencariana, o humor negro de uma prosa azevediana (diga-se de passagem, um dos grandes autores da época conhecida como o Mal do Século). E, mais do que isso, que entendesse o que está por trás dessas grandes obras. Em suma, sua professora de Literatura Portuguesa queria que você achasse a beleza nas grandes obras lusófonas de outrora, para que você entendesse mais sobre o seu nobre idioma nativo, e, de quebra, entendesse mais sobre a história do seu povo, da sua cultura, da sua língua, da sua herança. Que importante, né? E você desdenhava quando a professora pedia pra você ler "A Moreninha"...

Mas as suas aulas de Literatura Portuguesa provavelmente pararam em meados de 1950. A sua professora dava alguns exemplos de poemas e textos modernos, em que não há rima, mas há milhares de significados. Você aprende alguma coisa sobre Luís Fernando Veríssimo, Chico Buarque, Renato Russo. E fica por aí, a matéria termina. Seria, talvez, porque as últimas décadas ainda são muito recentes, e é difícil categorizar as últimas obras? Será porque a influência estrangeira (malditos ianques!) está matando a Literatura nacional? Será porque a modernidade brasileira está cheia de porcaria, e não vale a pena ensinar na escolha (afinal, você aprende em casa mesmo)? Oras, é de se entender que a situação criativa brasileira anda tão ruim, mas tão ruim, que os professores de Literatura tenham simplesmente decidido não ensinar na escola. "Recuso-me", diriam eles, "a ensinar semelhante ultraje!". Pra professores que ensinam dezenas de alunos, todos os anos, a apreciar as suaves ironias em um "Memórias Póstumas de Brás Cubas", comentar sobre "o pau ficando duro/o bagulho tá sério/vai rolar um adultério" deve ser, realmente, desesperador. Como ensinar para crianças de 11 anos sobre a candura de um poema de Alphonsus de Guimaraens, quando elas já sabem todos os funk proibidões de cor (e, pior ainda, sabem o que cada verso daqueles funk significam)?

Nesse contexto, compreende-se a professora que simplesmente ignora esses disparates modernos. É melhor fingir que eles não existem, que eles não são aceitos, e que tudo é invenção da mídia golpista. E continua a se ensinar aqueles arcaicos textos seculares, de uma época tão antiga que eles não tinham nem orkut. Bons tempos.
A esses puristas de espírito, que olham para o mundo moderno e não encontram beleza, convido-lhes a olhar de novo. Pensar fora da caixa, juntar conceitos completamente díspares, e perceber que a Literatura brasileira moderna ainda existe. Ela só está, digamos, travestida.

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"Tô fazendo amor com outra pessoa
Mas meu coração vai ser pra sempre seu
O que o corpo faz a alma perdoa
Tanta solidão quase me enlouqueceu"
~~Só pra Contrariar, "Depois do Prazer"

A canção "Depois do Prazer", lançada em 1997 pelo grupo mineiro Só pra Contrariar, é um dos exemplos mais nobres daquilo que eu convenciono chamar de "poesia brasileira noventista" - assim chamada porque a grande maioria dela se despontou durante a década de mil novecentos e noventa. Uma geração de líricos e poetas, que juntaram suas excepcionais capacidades de encontrar rimas nos lugares mais improváveis ("amor/dor", "paixão/coração", "gostosa/dengosa"), uma impressionante capacidade de falar de romance, sofrimento, prazer, alegria, e memoráveis capacidades de condensar tantas ideias em poesias coesas e claras. Não somente isso - essa notável geração de poetas, os "noventistas", também conseguiam enfiar essas poesias em uma música, vendê-la nas rádios e nas lojas, e ganhar muitos dinheiros e mulheres!! Eles não precisaram esperar sua morte para fazer sucesso na posteridade - eles conseguiram fazer fama e dinheiro enquanto eram vivos, ao mesmo tempo que reformulavam todo um conceito de lirismo e literatura! Senhoras e senhores, anotem em seus livros-textos de Língua Portuguesa: os noventistas são os pós-modernistas da história literária brasileira!
Com abordagens modernas, cotidianas, simplistas e musicalizadas, os noventistas combinam a produção musical da época dos antropofagistas e dos tropicalistas, mas com esse quê de vulgar, de populacho. Oras, o excerto acima aborda, abertamente, um eu-lírico que confessa que está se deitando com outra mulher, e se justificando na mais absoluta normalidade. Outros exemplos incluem pedidos à Lua para mandar um recado à amada, uma poesia inteiramente dedicada a um carrinho de mão, e até mesmo uma apologia explícita a um retorno ao conservadorismo, como eu já havia denunciado em outro texto meu. Alguns poetas falam de vassouras, outros de manivelas, alguns mais de pimpolhos. E é justamente essa capacidade de colocar, em forma de poesia, tantos assuntos outrora impossíveis, que faz do noventismo um movimento poético tão inovador e moderno! Travestido de música popular, os autores conseguiram fazer sucesso e serem reconhecidos, ao mesmo tempo que davam novo fôlego à quase moribunda arte de criar poesias brasileiras!

Mais do que símbolos sexuais e ídolos pop, esses poetas noventistas revolucionaram a poesia brasileira, aproximando-a do brasileiro comum. O brasileiro simples não sabe citar Carlos Drummond de Andrade, não sabe o roteiro de O Guarani, não sabe que a terra dele tem palmeiras. Mas com certeza sabe que a galera lá do Morro do Salgueiro e Vidigal tá querendo balançar! Eles agora têm um pouco de poesia brasileira pra eles! Um nicho de cultura erudita (?), para que eles aprendam a raciocinar, a digerir, a apreciar. Assim como você aprendeu sobre a beleza do seu idioma lendo "O Alienista", os brasileirinhos de hoje aprendem a beleza do Português aprendem ouvindo Molejão, Tchakabum, Chiclete com Banana. Isso é cultura, meu filho.
E se você disser algo contra, lamento informar, mas você é um desses conservadores antiquados, que sentem saudades da época em que TV era em preto-e-branco, e mulher não trabalhava fora. A nova poesia brasileira é popular, é vulgar, é samba no pé, é futebol moleque. Reflexo de uma sociedade cada vez mais popularizada - oras, na década seguinte elegeríamos um presidente metalúrgico! Essa poesia noventista almeja justamente alcançar esse popular. Produzir a poesia para agradar a esses flagelados sociais, que tantos anos ficaram sem entender quem diabos era Lima Barreto, Antônio Bandeira, Fernando Pessoa. Eles agora têm Companhia do Pagode, meu filho. Eles aprenderam a expressar seus sentimentos e suas situações sem precisar voltar no tempo. Mais do que encontrar refúgio em poetas do passado, eles inventam poetas do presente! Brava gente brasileira!!

E eles nem se importam se você acha isso pavoroso e repulsivo. Você, seu recalcado burguesinho, é um retrógrado inculto, e não sabe apreciar a beleza poética produzida por Alexandre Pires, Netinho de Paula, Leandro Lehart. Eles revolucionaram a poesia brasileira. Eles mudaram pra sempre a Literatura.
E é bom você aprender a viver com isso. Pau que nasce torto, meu filho, nunca se endireita.